O homem não fica velho, fica antigo - por Símia Zen.

Há algo no olhar dos homens idosos que comove e, imersa nesse enlevo, eu divago...

Nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer, essa é uma ordem da natureza, a qual nenhum de nós pode escapar. Infelizmente, nossa formação educacional não nos prepara para essa verdade, muito pelo contrário, nos aliena causando inúmeros equívocos e sofrimentos em nossas vidas, inclusive o medo da morte.

Tenho a impressão que os corpos dos senhores não chegam a ficar velhos, já que velhice pressupõe algo que perdeu sua função. Nossos corpos, antes de tudo, têm a função de perpetuar a espécie, transportar o gene humano pelo tempo e mantê-lo no espaço planetário. Os corpos velhos não podem mais cumprir essa função, porém, nos dos machos, ela permanece até bem idosos, de maneira que mesmo depois da andropausa, quando suas forças e ânimo se escasseiam e as rugas, flacidez, embranquecimento e queda da pelagem ocorrem, a função de capacidade reprodutiva não se perde a menos que o idoso esteja doente ou com desgaste muito severo.

Tal como um vinho bom, chamo de antigo o que existia antes desde muito tempo, me remete ao que foi criado e sucedeu no passado, não exatamente gasto nem já sem função, antigo não é sinônimo de velho e sim de curtido... Assim são os corpos se ainda cumprem sua função primordial, e principalmente, quando a mente guarda os saberes adquiridos na caminhada da vida. A saúde física e psíquica é um fator determinante nisso. Até mesmo no caso dos homens idosos com os corpos enfermos e/ou muito desgastados que perdem a função reprodutiva, se ainda são ativos como bons avôs, compartilhando suas experiências e saberes nos cuidados e preparo das novas gerações, neste caso os corpos ainda estão no circuito da vida, porque contribuem com a manutenção da espécie. Os homens idosos com corpos saudáveis, além da função derradeira como avôs, podem também produzir novas vidas, ou seja: O homem não fica velho, só fica antigo.

Homens Antigos... Gosto de especular sobre suas vidas, como se construíram, as venturas e desventuras que possivelmente passaram e procuro suas histórias onde as rugas são mais fundas, onde os calos são mais grossos. Observo-os no andar, fico através dessas pistas levantando o véu de preconceitos que os esconde, por vezes até de si mesmos, acabo por sentir algo que os senhores sentem, bom... Eu acho. Sinto que sentem saudades dos tempos de virilidade farta, onde ousavam amar sem pudor, queriam a mulher não como enfermeira, ser que lhes é imprescindível para suportar o inverno do corpo, mas sim como seu verão, quando a mulher era sua terra à arar e fecundar. Acho que se sentem nostálgicos e sós olhando para as mulheres mais jovens furtivamente, como se isso fosse parte das últimas travessuras do menino que ainda guardam dentro de si. Sempre certeiros são esses olhares... Os senhores têm a competência dentro do centro dos olhos, no núcleo da alma. Como os senhores são rapidíssimos nestes olhares! Acho que é para que suas esposas, filhas, noras, netas, não os flagrem na transgressão de ainda sentirem fortes nos seus instintos de macho.

O sorriso dos homens antigos, quando honrados, é repleto de beleza. O tempo já não lhes oferece mais dentes próprios e sim dores, preocupações com a vida e com a morte, que lhes enfastia a existência, mas ainda assim, as rugas se movimentam em seus rostos e ganham novos desenhos, surpreendentes e únicos, porque cada um deles tem suas próprias rugas, conquistadas de forma singular. Os senhores são lindos demais sorrindo... As cataratas se dissipam e volta o brilho do Sol em seus olhos. Realmente é uma grande honra poder ver tanta beleza, que emoção cativante e conforto contemplar o Sol sorrindo.

Há algo em seus olhares que nem de longe eu sei. Há no olhar dos senhores o mistério, creio que também há um tanto de saudade, nostalgia, resignação, conhecimento e de coisas que sequer posso supor. Os senhores viram o passar do tempo, são testemunhos das mudanças, se adaptaram às oscilações do tempo e do espaço, da cultura, língua e dos conceitos... Viram nascer e morrer sentimentos, estão cientes da morte iminente e se mantiveram vivos. Temos muito a aprender com os senhores.

É um grande privilégio podermos conviver com os Homens Antigos honrados em nossas cidades, é uma grande idiotice não respeitar e colocar à margem as pessoas idosas como é comum na moda nefasta e frívola que considera pessoas como algo descartável (que culturinha de fezes!). Os índios é que estão certos, têm plena consciência da sabedoria, competência e beleza deles, os tratam como tesouros muito valiosos para todo o grupo, já que se vale de seus saberes acumulados por mérito.

Para o bem estar de todos, deveríamos primar pela inteligência como os índios e desfrutarmos alegremente da companhia dos Homens Antigos dignos e de seus ensinamentos e orientações, pois os senhores trabalharam muito, lutaram muito, sofreram muito, suas almas estão repletas de memórias, de sentimentos experimentados, do fazer e refazer a vida dentro do tempo e do espaço. Só uma sociedade doente, indecente e nefasta como a nossa não pode reconhecer o valor dos antigos. Embora se criem leis e mais leis, o homem antigo decente é ainda tratado de forma indigna pelos novos cidadãos e cidadãs ingratos que deveriam respeitá-los carinhosamente e as famílias deveriam fazer questão, para a prosperidade de todos, em mantê-los no seu merecido lugar, à cabeceira da mesa, até a despedida final. Com suor, neurônios e tempo vital, se doaram para o bem estar da vida alheia, de sangue ou não, lutaram por seus territórios e construíram aí seus patrimônios como herança, junto com os ensinamentos para proteger em vida e morte a seus próximos. Isso é Amor.

Bom... Acho que sei o que há no olhar do homem antigo honrado: Há o infinito...

Homens Antigos dignos despeço-me com reverencia, espero que minha “palavrada” proceda e lhes seja um afago agradável.

Cordialmente,

Símia Zen.
Retrato: Old Man Willians, considerado o inventor do Blues.
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Labels: Masculinidade Simia Zen

Fonte: Texto originalmente publicado no site Reflexões Masculinas - Revista Online sobre o Homem e a Masculinidade.
http://reflexoes-masculinas.blogspot.com.br/2010/08/o-homem-nao-fica-velho-fica-antigo.html
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