Fraternas,
Dando continuidade as
“Entrevistas com os Homens”, segue as palavras do Administrador de Empresas
Donnie Cesar Correia, nato e residente em Unai / Minas Gerais, autor e
administrador do blog Moinho Labirinto e moderador da comunidade do Orkut já
extinta Machismo Esclarecido. Este homem culto e de inteligência nobre, no
espírito do equilíbrio e equanimidade entre os gêneros, compartilha conosco nesta
entrevista seus suas reflexões e análises sobre a problemática da violência
doméstica e do estupro em nossa sociedade atual, e assim nos favorece a um
melhor discernimento e avaliação imparcial dentro desta problemática que muito
aflige as mães, os pais e a sociedade em geral, pois tanto para as mulheres que
amam os homens quanto para os homens que amam as mulheres não poderá haver o
bem da felicidade enquanto houver a ação malévola de psicopatas de ambos os
sexos praticando a barbárie da violência física ou psicológica contra as
pessoas de ambos os sexos que querem bem, sejam estas consanguíneas ou não,
e/ou ameaçando suas próprias vidas.
Espero que gostem da
entrevista e que também lhes seja útil nos relacionamentos com os homens e na
educação e bem lidar com suas filhas e filhos.
O Donnie Cesar:
SZ: Sua idade e estado onde nasceu e vive:
Donnie Cesar: Nasci
em Unaí-MG, onde resido atualmente. Vivi em Brasília e em outras cidades do
Noroeste de Minas. Se você assistiu ao CQC hoje (04/09), viu uma denúncia sobre
a minha cidade, casualmente.
SZ: Quais são os espaços virtuais que é dono
e/ou moderador?
Donnie Cesar: Tenho
um blog pessoal, chamado Moinho Labirinto -
http://moinholabirinto.blogspot.com.br - mas moderei comunidades e espaços
virtuais no Orkut e em fóruns do Geocities que tratam dos mais variados
assuntos, como tipos psicológicos MBTI, cutelaria artesanal, anarquismo,
modificação corporal, cineastas e artistas plásticos diversos, marketing e
estratégia. O que mais contribui para as usuárias e usuários do site é,
entretanto, a comunidade (Neo) Machismo Esclarecido, extinta no Orkut.
SZ: Qual é a sua Formação acadêmica?
Donnie Cesar: Graduei-me
em Administração de Empresas e estou fazendo pós-graduação na área de Docência
do Ensino Superior. Fui professor de inglês e atualmente sou Analista Junior de
Relações Humanas de uma rede de lojas de departamento.
SZ: Como foi sua educação familiar e
religiosa?
Donnie Cesar: Bastante
rigorosa e igualmente controversa. Venho de antecedentes religiosos
protestantes bastante rígidos aos quais eu me ative até os 14 anos, onde a
situação se tornou insustentável. Abandonei as igrejas e instituições, mas
nunca a minha fé – cristã, mas recheada de adições, sincretismos e conclusões
da minha vivência.
SZ: Quais são suas posições
políticas-filosóficas?
Donnie Cesar: Acredito no
anarquismo individualista como meta última da sociedade, mas não creio viver
para ver um passo rumo a esse paradigma, então, contento-me em ser um liberal.
Filosoficamente, creio que estou em algum lugar entre o Maniqueísmo, o Zen e o
Eudaimonismo - o móvel das minhas ações é a felicidade, minha e dos meus pares
na medida do possível.
Ao contrário da maior parte
de defensores de direitos masculinos que tem uma orientação política bastante
conservadora eu tenho como minhas as convicções da “terceira via”. Essa posição
conservadora inclusive dificulta, na minha opinião, muitos diálogos que seriam
fundamentais para pacificar as questões que serão tratadas aqui, visto que a
responsabilidade é de homens e mulheres.
SZ: Como se define?
Donnie Cesar: Sou
fatalmente humano. Eu sou um animal, tenho impulsos e tentações de animal – o
que faz de mim uma criatura bestial. Eu também sou racional e posso sonhar,
compor, sorrir diante da beleza das coisas, me indignar diante da injustiça e
conciliar minhas muitas contradições - o que faz de mim uma criatura sublime.
Para mim, a humanidade surge do caminhar nesta corda bamba.
Sua participação nas
reflexões sobre as questões masculinas:
SZ: Quando iniciou e desenvolveu seus
pensamentos nas questões masculinas no campo virtual?
Donnie Cesar: Participei
de uma comunidade chamada "(Neo) Machismo Esclarecido" que tratava de
questões do mundo masculino – comunidade esta que tinha um time muito bom. O
nome do ambiente frequentemente atraía pessoas interessadas apenas em acusar os
membros de positivação de seu machismo, sem qualquer tentativa de compreender a
proposta, mas isso faz algum tempo, idos de 2006-2008, salvo engano.
SZ: O que o motivou a pensar e se expressar
sobre as questões masculinas no campo virtual?
Donnie Cesar: Notei,
na época da comunidade, o quanto era complicado ser um homem heterossexual e
não ser tratado como inimigo, principalmente por estar frequentemente envolvido
em círculos feministas e de discussão sobre liberdade sexual. A postura mais
frequente das pessoas era “foda-se, você é homem – se quiser ajudar, ainda
desconfiaremos de você; se quiser atrapalhar, é exatamente o que estávamos
esperando”. Além das dificuldades intrínsecas a ser um homem de bem ainda era
necessário lutar contra um preconceito imenso do qual não se fala
habitualmente. A vida do homem pós-industrial ainda é descartável, estoica e
mecânica, mas agora o homem é também tido como vilão por viver menos e
habitualmente menos feliz. Questiona-se também muito pouco sobre quem é e o que
significa ser homem/machista e mulher/feminista.
A situação tomou proporções
ainda maiores porque, do lado dos homens, houve uma movimentação de
“contra-ataque”. Eu carrego comigo ainda o posicionamento da (N)ME – a de que é
necessário compreender e dialogar sem dogmatismos.
SZ: Quais são seus referenciais teóricos ou
não sobre o universo masculino?
Donnie Cesar: Nessahan
Alita é quase inescapável, mas embora hoje eu o compreenda, discordo dele em
quase tudo. Eu me espelho muito nos homens e mulheres que pensaram no mundo
como um construto de poder feito por todos, como John Locke, Francis Bacon,
Friederich Nietzsche e Simone de Beuvoir – quase sempre incompreendida por
feministas e por masculinistas.
Sobre a violência e estupro:
SZ: O que você considera como violência
doméstica e quais são suas causas e efeitos?
Donnie Cesar: Antes
de definirmos violência doméstica, vamos definir primeiro o que é “violência”.
A violência é uma relação de poder; o abuso de uma relação de poder, na
verdade. A violência surge através do emprego indevido de poder - tangível e
intangível - para obter um fim qualquer. Nossa sociedade é grandemente baseada
em violência, então os índices alarmantes dela, tanto no ambiente doméstico
quanto urbano são naturais. A violência doméstica acontece quando um ente
familiar, se valendo de uma vantagem que possui sobre outro, seja a simples
superioridade física, a dependência psicológica do conjugue, a certeza de
impunidade - agride seu parceiro ou parceira esperando um fim qualquer. Os
relacionamentos são relações mutáveis de poder, como quase todas as relações
humanas. O triste, entretanto, é que essas relações de poder sejam
frequentemente extrapoladas e este poder exercido sem qualquer
responsabilidade.
SZ: Em sua opinião a prática de aborto
também poderia ser considerada uma forma de violência doméstica?
Donnie Cesar: Não.
O aborto é certamente uma forma de violência - da mulher para com a criança que
ela carrega e para com a sociedade como um todo, mas não está restrita ao
ambiente doméstico. O mais comum é que a mulher que deseja abortar envolva
terceiros na transação – amigos e amigas, facilitadores, instituições, etc. A
questão pode começar no ambiente doméstico, mas raramente permanece apenas nele
– isso, claro, desconsideradas também as questões de saúde pública.
A situação da mulher que
procura o aborto é normalmente desesperadora e ela não enxerga as alternativas
que teria para contornar a gravidez indesejada. O apoio social à mulher,
sobretudo à mulher pobre ou que engravidou vítima de estupro é pífio. O aborto
é consequência mecânica de diversos níveis de violência social, descaso, falta
de informação e educação sexual, além de patrimonialismo legal.
É necessário pensar, também,
que nesta consideração o aborto está sendo considerado dentro de alguns termos,
sendo que o primeiro deles é o de que a gravidez para a qual se pensa o aborto
como alternativa é considerada de alto risco, oriunda de circunstâncias
traumáticas e/ou violentas e o segundo é que o aborto é naturalmente visto como
uma situação “inquietante”, para dizer o mínimo para a grande maioria das
mulheres. Nem todos os abortos estão cobertos por este tratamento, entretanto.
Existem relatos de mulheres
que buscaram o aborto por diversas razões que são, em comparação ética com as
possibilidades, fúteis, ao menos sob o meu prisma. O impedimento temporário da
ascensão profissional, a perda de capital erótico e a demonização da gravidez e
da feminilidade como um todo. Pessoalmente eu creio ser extremamente difícil
separar as duas tipificações do ponto de vista legal, mas também acho essencial
que esta separação seja feita.
SZ: Quando diz que o aborto é consequência
mecânica de diversos níveis de violência social, descaso e patrimonialismo
legal,está se referindo a quê, poderia nos esclarecer mais sobre isso?
Donnie Cesar: Perfeitamente.
Patrimonialismo refere-se ao tratamento da res publica como propriedade privada
- é a apropriação indébita do que é de todos. No contexto legal isso se refere
a um conjunto de normas que toma do espaço público e democrático autoridade
para uma minoria que trata aqueles direitos como "vantagem" sobre as
demais classes. O fato de vários homens, mesmo atendendo às qualificações
necessárias, serem frequentemente negados à guarda de suas crianças em
detrimento de mães desequilibradas e sem os recursos financeiros para arcar com
os custos da criação das crianças é um tipo de patrimonialismo legal.
Esses "pedaços de
direito" são disputados à tapa por todos os segmentos da sociedade porque
historicamente a sociedade brasileira é uma sociedade de castas, raças e
divisões. Essa disputa cria uma situação de violência que começa no berço e que
pauta como crescemos - e há quem lucre muito com isso. Nossa sociedade é
competitiva e violenta por natureza - ela reflete uma condição antropológica de
escassez e "lei do mais forte".
A título de exemplo, o
número de mulheres chefiando lares aumentou exponencialmente no Brasil, assim
como a família nuclear deixou de ser um panorama genérico - e ainda assim,
existe um preconceito imenso contra a mulher chefe de lar. Nossa formação
social marginaliza essa mulher e deixa esse estigma como herança para seus
familiares.
A mulher que aborta
frequentemente – ainda que não represente a totalidade dos casos, como eu disse
- se vê num estado desesperador: por um lado, todas as pressões sociais e
morais do aborto. Do outro, a perspectiva de criar uma criança e falhar, uma
cobrança histórica sobre a mulher apenas. Por um lado o avanço da gravidez que
muitas vezes a fará ficar desempregada - eu trabalho com Recursos Humanos e sei
que a segurança trabalhista da mulher grávida é só um prêmio de consolação para
uma demissão que quase sempre virá. A questão do aborto é extremamente sensível
para a mulher.
Se a gravidez, desejada ou
não, fosse tratada com clareza e sem preconceitos seria possível conciliar
panoramas muito mais promissores: imagine um casal que deseja adotar um bebê,
poder acompanhar a criança desde a gestação, sem preconceitos para nenhuma das
partes. Utópico? Não acredito. Creio inclusive que seria mais barato reformar
completamente o sistema de adoção brasileiro e a criação de unidades
especializadas de suporte à mulher do que aparelhar o SUS a lidar com toda a
demanda desse tipo de processo. Analisando as estatísticas friamente, a
possibilidade de a agenda feminista triunfar no Brasil é substancial.
Parece-me, entretanto, que alcançar melhores indicadores nos quesitos acima é
essencial para impedir um massacre.
SZ: Acredita que o maior índice de
nascimento e mães solteiras está em qual classe social e que o aborto é mais
praticado pelas mulheres mais pobres do que pelas mais abastadas materialmente?
Donnie Cesar: Não
é um caso de "acreditar". Infelizmente nossos dados sobre aborto são
extremamente imprecisos devido à clandestinidade, clandestinidade essa que é
lucrativa como consequência do quadro acima, isso, claro, considerando que
existem diversas estatísticas tendenciosas sobre o assunto.
As mulheres mais abastadas
frequentemente possuem os recursos para recorrer a clínicas clandestinas de
"qualidade" superior (um termo repulsivo nesse contexto, mas
necessário). As mulheres de classes econômicas menos aquisitivas normalmente
precisam recorrer a doar as crianças ou compartilhar sua criação - algo que é
prática quotidiana no interior do Brasil. As mães solteiras que chefiam
famílias arcando com os custos totais de seu domicílio normalmente pertencem à
classe média. O aborto é menos freqüente nas classes C e D por causa dos riscos
inerentes ao mesmo, mas ainda acontece - é normalmente o que aparece nos
assustadores dados da morte feminina devido a tentativas falhas de aborto.
SZ: No
seu discernimento quais seriam as soluções para a erradicação da prática de
aborto das mulheres de baixa renda e das mais abastadas economicamente?
Donnie Cesar: Eu
não creio que qualquer mulher de bem veja o aborto com bons olhos – não falo
aqui da legalização da prática, mas da prática em si. Eu conheço um número
significativo de pessoas que não são contra a legalização, dentro de vários
termos, mas que ainda pensam na prática como algo abominável. Uma discussão
importante é o aspecto moral e psicológico do aborto, para os quais não há
legalização ou solução fácil.
Pensando no bem da questão
como um todo, para mim é necessário federalizar o sistema de adoção e
modernizar o processo de cadastro das crianças e de fila giratória de adoção.
Para o pré-natal, no sistema de saúde, é necessário ter a possibilidade de
dizer claramente ao médico que não quer a criança e que vai oferecê-la para a
adoção. A partir dessa fase, inicia-se outra, de suporte e acompanhamento
psicológico e médico que segue durante a gestação até o nascimento da criança.
Eu não creio que os números
do aborto seriam sequer parecidos com os atuais se a criança não fosse vista,
desde o início como "o problema com o qual é necessário lidar" e sim
como "o filho que eu não posso criar, mas que será bem cuidado e que terá
com outra família um universo de possibilidades". Após o parto e a adoção,
é necessário ainda aconselhamento e suporte para o planejamento familiar, para
evitar a reincidência.
Em minha opinião, a questão
da legalização do aborto é pequena quando comparada com o oferecimento de saúde
real e alternativas de cidadania à mulher grávida que não deseja ter a criança.
Legal ou não, o aborto é uma escolha da qual a maior parte das mulheres se
ressente por toda a vida. A função do estado democrático não é limitar as opções
da sociedade civil - é dar a ela a chance de fazer as melhores escolhas para
todos os envolvidos - isso é sinergia.
SZ: Em sua opinião o estupro só pode ser
praticado por homens?
Donnie Cesar: Minha
definição de estupro é "relação sexual não consensual", portanto, não
é uma primazia masculina. A noção de que só a mulher pode ser vítima de estupro
não contempla aspectos importantes, como homens e mulheres que são vítimas de
estupro por uma mulher.
É extremamente complexo
obter dados de pesquisa sobre violência marital homossexual entre mulheres,
ainda mais do que entre homens. Os homens que são vítimas de violência por
mulheres sofrem de duplo preconceito porque se espera do homem que ele seja
capaz de se defender, mesmo quando essa opção não existe - todo ser humano
possui momentos de vulnerabilidade, como a embriaguez e o sono. Existem dezenas
de campanhas que pedem - com muita justiça - que a mulher estuprada não seja
tratada como corresponsável pela violência que sofreu, algo que considero certíssimo.
Eu só sinto que nessa questão existam dois pesos e duas medidas.
SZ: Quando diz, que só sente que na questão
do estupro existam dois pesos e duas medidas, você está se referindo a que?
Poderia nos esclarecer mais sobre isso?
Donnie Cesar: Perfeitamente.
Estupro é, por definição, a relação sexual não consensual - por violência ou
incapacidade. Entretanto a mulher só passou a ser considerada como
"sujeito ativo" da tipificação penal de estupro em 2009. Perceba que
antes disso, se uma mulher drogasse um homem ao ponto da inconsciência, tivesse
com ele uma relação sexual e o acusasse de estupro no dia seguinte existia uma
chance substancial de ele ser condenado, já que ele é o único sujeito passível
da tipificação e a relação pode ou não ter sido consensual – a depender da
acusação da mulher.
Embora homens vivam de 2-5
anos a menos do que mulheres, estejam mais expostos a riscos ocupacionais de
vida, estejam mais sujeitos a quase todas as tipificações de “crime violento” –
como assalto a mão armada, homicídio, latrocínio e sequestro o homem é
considerado o grande vilão, o algoz da sociedade igualitária. Um estudo da OECD
em 34 países mostra que mulheres normalmente têm índices mais altos de educação
e se consideram mais felizes do que homens. O fim de um casamento é mais
oneroso aos homens em quase todos os aspectos. Ser homem, em muitos aspectos, é
um desafio.
Embora eu não negue que
exista uma cultura de estupro, é necessário compreender que nessa cultura
também estão inseridos homens que se encontram como vítimas – no que pese que
no caso dessas vítimas, o preconceito é ainda maior.
O homem é visto pela
sociedade que está se criando, a sociedade do medo feminino institucional,
sempre como um estuprador em potencial. Percebem a fragilidade da situação onde
se encontra o homem não-estuprador nesse caso? Apesar de crescer numa sociedade
heteronormativa e violenta, homens e mulheres – a maioria deles e delas – passa
a repudiar a violência e o crime, com a diferença de que o homem permanece
suspeito e culpado até que se prove o contrário.
Até quando o estupro será
considerado factual e culturalmente uma "prática" e não uma forma de
violência que deve ser combatida através mesma lei secular que rege a todos? E
a pergunta que não quer calar é - nós, homens heterossexuais nunca
participaremos destas discussões? A vilanização do homem e do masculino
prejudica homens e mulheres, assim como a cultura patriarcal.
Dois pesos e duas medidas: o
homem é sempre o vilão, mesmo quando não é. Quando é, entretanto, frequentemente
sai impune. A mulher é sempre a vítima, mesmo quando não é. Quando é,
entretanto, é culpada por ser vítima. Se você também acha que isso não faz o
menor sentido, chegou ao cerne da discussão.
SZ: Na sua percepção e observação, qual é
perfil comum das pessoas violentadoras e estupradoras e o como se deveria lidar com elas no
âmbito doméstico?
Donnie Cesar: Existem
diversos perfis, sendo que o mais triste, na minha opinião, é o que repete a
violência que sofreu. Os perfis de estupradores são tão diversos quanto as
perversões do homem, mas me parece que mesmo não tendo uma personalidade
arquetipicamente violenta, seu móvel na ação de estupro é de confirmação de si
através do abuso. Na cabeça do estuprador ele não violenta uma mulher - ele é o
ator social numa condição de superioridade onde a mulher - sua humilhação,
melhor dizendo - é o objeto de sua consagração.
Perfis de insegurança,
histórico de violência familiar, objetificação da mulher e das condições de
violência são recorrentes. É impossível criar uma panaceia para o trato com
esse perfil, mas a observação desses sinais inspira cuidados, como a busca por
ajuda especializada. Uma vez dentro do lar toda questão assume mil nuances de
complicação.
SZ: Em sua opinião o estupro pode ser
forjado por uma pessoa de má fé ou omitido por uma vítima de fato?
Donnie Cesar: Certamente.
Do ponto de vista da exequibilidade da primeira questão - forjar o crime - pesa
contra o homem o contexto e o preconceito. Eu já ouvi muitos casos de mulheres
que acusaram homens de estupro não para a lei, mas para seus amigos e
protetores, normalmente com resultados funestos. Sendo um crime seriíssimo,
existem pais, namorados e amigos que prefeririam ir para a cadeia, em última
instância, a deixar o suposto crime passar impune. Existe a necessidade de se
pensar em crimes e na violência como um problema com o qual a polícia e os
institutos sociais não podem lidar em sua totalidade, também. Quanto à omissão,
também existe a possibilidade e é um caso também não-raro: a mulher vitimada
carrega o preconceito das pessoas e é culpada pela ação. É um cliché, mas mesmo
que uma mulher estivesse andando nua na rua isto não daria a ninguém licença
para ter com ela qualquer relação que não fosse consensual - nada justifica o
estupro.
SZ: Acredita que uma vítima que não denuncia
à justiça o crime de estupro além de vitima também passa e ser cúmplice do
crime?
Donnie Cesar: Embora
em compreenda o raciocínio, não, não creio. Esse raciocínio se baseia na ideia
de que, sem a denúncia e a participação da vítima para capturar o autor ou
autora, este fica livre para repetir o ato, o que torna cada vítima não
denunciante um parceiro ou parceira no crime. Este raciocínio, entretanto,
contempla apenas uma lógica superficial e considera somente a mecânica do
crime, sem considerar o ambiente altamente preconceituoso que cerca a vítima de
estupro: muitas vezes, como dito anteriormente, a vítima prefere se resguardar
socialmente de uma punição - completamente indevida - a se envolver com essa
situação novamente. Pese ainda em favor da vítima que assim procede o tremendo
desgaste psicológico que todo o processo acarreta. Num ambiente em que não
houvesse pré-julgamento, impunidade e em que houvesse suporte adequado à vítima
civil de violência urbana e doméstica, não haveria este tipo de abstenção.
É desleal exigir da vítima
uma postura que vai à contramão dos recursos de que ela dispõe.
SZ: Em sua percepção como a prática da
violência doméstica e do estupro vem sendo tratada no dia-a-dia da população
brasileira e o que você pensa sobre a Lei Maria da Penha?
Donnie Cesar: Acho
a percepção completamente equívoca, em parte pelo já exposto: o assunto do
estupro é tabu porque o estupro é um tabu - mesmo entre criminosos. A não
discussão do tema gera a miscelânea de mentiras e meias-verdade que se
depositam e se tornam o "modus operandi" da sociedade ao contemplar a
questão. Quando alguns movimentos feministas acusam os homens de serem, todos,
estupradores em potencial aprecia-se um preconceito - a título de exemplo: o de
que o estupro é uma primazia masculina e que todos os homens, por suposto,
estão sujeitos a ela. Quando a mulher apanha em casa, ela é vítima e coautora
da violência porque não abandonou o lar; quando a mulher é estuprada ela é
corresponsável pelo estupro pelo lugar em que estava, a hora em que saiu ou as
roupas que estava usando. Tudo isso está na percepção quotidiana da violência
sexual e doméstica.
Quanto à Lei Maria da Penha
eu me sinto dividido. Parte de mim gosta de acreditar que ela foi uma
conquista, uma maneira de positivar punições mais sérias no ambiente do lar
violento, onde normalmente impera o silêncio. O fato, entretanto, de mesmo no
seu texto legal ela estar atrelada à delegacia da mulher mostra o quanto ela
pode ser aplicada em analogia ao homem que sofre de violência. Existem casos em
que ela é aplicada em analogia a companheiros do mesmo sexo - homens e mulheres
- mas ela não protege o homem heterossexual da violência. Eu penso no saldo
positivo da lei quando a vejo como conquista - a discussão de que ela pode ser
aplicada sem a necessidade de representação em caso de comprovação de
dependência psicológica por parte da vítima é única no âmbito jurídico do país
e seus resultados são inegáveis - mas eu ainda a consto no conjunto de
institutos que agravam a diferença do tratamento legal entre homens e mulheres.
SZ: O que você pensa sobre as campanhas
contra o estupro e violência doméstica que vêm sendo feitas por grupos
feministas e outros?
Donnie Cesar: Ultimamente
eu tenho visto campanhas muito boas, nas redes sociais, nas televisões ao redor
do mundo - os argumentos que demonizam o homem têm diminuído em favor de um
clamor social que chama os homens para lutar por direitos que são também deles.
O combate ao estupro e à violência doméstica é também uma causa masculina para
todos os que possuem mães, esposas, namoradas, irmãs e amigas. As últimas
campanhas que eu vi têm sido muito boas principalmente em contraste com algumas
do passado, que, espero, permaneçam do passado.
SZ: Em seu entendimento como a violência
doméstica e o estupro no âmbito doméstico poderiam ser erradicados no Brasil?
Donnie Cesar: A
violência, como eu disse, é uma relação de poder e muitas vezes, como fazem
muitos dos nossos políticos numa base diária, é simplesmente fácil demais
abusar dessa relação sem qualquer consequência negativa; assim sendo, não
acredito na erradicação da violência em nenhuma de suas formas. Agora, para
melhorar drasticamente os nossos indicadores sociais de violência é necessário
trabalhar o ambiente social das nossas crianças e educá-las sobre o que é poder
e como esse poder deve ser usado responsavelmente e como devemos cobrar esta
responsabilidade das pessoas devidas pela nossa segurança e pelo dinheiro
público; é necessário desaparecer com o ambiente de impunidade que é percebido
na maior parte das questões de ilicitude no Brasil e é necessário dar apoio -
psicológico, legal, médico e pós-traumático - às vítimas.
Conselhos e orientações aos
jovens e palavras às mulheres:
SZ: Donnie Cesar, eu agradeço muito sua boa
vontade em compartilhar nesta entrevista seus conhecimentos e também seus esclarecimentos
positivos para o bem da Vida humana. Saiba que este simplório espaço virtual
sempre estará a sua disposição para a harmonia e concórdia entre homens e
mulheres. E para finalizar, Quais seriam seus conselhos e orientações para os
jovens e adolescentes quanto à questão da violência doméstica e o estupro. E
também poderia dirigir suas sensatas palavras às mulheres que por ventura lerem
esta entrevista?
Donnie Cesar: Eu
gostaria primeiro de agradecer imensamente pela oportunidade oferecida e é com
muito gosto que eu participo. Concordando ou discordando dos pontos oferecidos,
a oportunidade de participar desta discussão num fórum onde o propósito
manifesto é promover a harmonia entre as pessoas é maravilhoso.
Eu gostaria de reunir meus
conselhos, todos a um aspecto pontual, a você, jovem e adolescente, a você
vítima de violência e a você, mulher que me lê: Ame-se.
Parece simples demais, não?
Mas ame-se. Não deixe que a pressão ou o preconceito o impeçam, jamais de
colocar um basta no que quer que te limite - desde a cor de esmalte que você
quer escolher ao doloroso relato da violência. Ame-se, respeite-se. O mundo
existe enquanto você o observa, não tenha medo. Deixe que o seu amor,
verdadeiro, por si mesmo (a) guie seus passos. Uma vez que você tenha aprendido
a se amar, amar aos demais será fácil.
Muitíssimo obrigado
novamente e gratíssimo pelo tempo despendido nessas palavras. Embora tenha me
alongado demasiado, creio, penso ter feito com o esmero que a economia me
permitiu.
Atenciosamente.
Donnie.
Moinho Labirinto -
http://moinholabirinto.blogspot.com.br
=====================================================Símia
Zen.
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